Até a reta final da privatização da Sabesp, agentes do mercado esperavam que duas empresas fossem disputar a fatia de ações da estatal. Mas na hora de apresentar as propostas só a Equatorial apareceu como interessada. Era sinal de que a Aegea, maior companhia privada de saneamento do Brasil, havia desistido.
Em entrevista à Folha, Radamés Casseb, CEO do grupo, afirma que a decisão não foi tomada por um motivo único, embora cláusulas criadas pelo Governo de São Paulo tenham sido “componentes importantes”.
Segundo ele, estudar a privatização da Sabesp a fundo foi praticamente um “MBA”, que deve capacitar a Aegea para outras jornadas, como Copasa e Sanepar —estatais de saneamento de Minas Gerais e Paraná.
IPO segue no radar
Há alguns anos, a Aegea é apontada como uma das próximas empresas brasileiras a fazer sua abertura de capital, mas os planos para um IPO (Oferta Pública Inicial, na sigla em inglês) foram minguados pelo cenário macroeconômico.
Agora, Radamés diz que o IPO da Aegea será mais cedo do que mais tarde. “A companhia vai amadurecer as providências internas para estar disponível. A abertura de capital será, sem dúvida, uma alternativa a mais que suportará a companhia no processo de crescimento.”
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O problema, segundo o executivo, é que os especialistas ainda não enxergam uma janela para que isso aconteça em 2025. O Brasil passa por uma seca de IPOs desde 2022, após o Banco Central iniciar um ciclo agressivo de alta de juros e manter por um ano, até agosto de 2023, a taxa inalterada no patamar de 13,75%.
“A janela, pelo que tenho ouvido, está mais para final de 2026, início de 2027”, diz Radamés.
Sabesp e os planos para o futuro
Com quase 14 anos, a Aegea opera hoje em 540 municípios, atendendo quase 34 milhões de pessoas. É o maior grupo privado do setor, com praticamente metade do mercado.
A avaliação do CEO da Aegea sobre 2024 é que foi “um ano de muito trabalho”. E um dos motivos para isso é a Sabesp.
A empresa estudou o projeto a fundo e foi um dos poucos grupos que anunciou publicamente seu interesse em se tornar acionista de referência da companhia. A desistência, segundo Radamés, passa também pelas características do trabalho da Aegea no saneamento.
“Entrar numa empresa de capital aberto, ser sócio de referência, sempre foi um desafio. A Aegea nasceu e foi construída para ser um operador, para resolver problemas, para tomar decisões. O modelo do nosso time é resolver problemas com autonomia e governança mais fluída”, afirma.
Na Sabesp, a empresa teria 15% das ações e precisaria dividir a mesa de decisões com o governo paulista.
Mas além da questão da autonomia, regras estabelecidas pela gestão de Tarcísio de Freitas, com limitações impostas ao papel de sócio estratégico, foram afastando a Aegea do processo, na avaliação de especialistas à época.
Cláusulas como a “poison pill”, que impede que um sócio se torne majoritário por meio de uma oferta hostil, foram apontadas como um motivos para Aegea desistir. Além disso, restrições para participar de outras concessões de saneamento e o chamado “right to match” —regra que na prática favorecia o grupo favorito do mercado, no caso a Equatorial— teriam deixado a Aegea desconfortável num momento em que ela já era apontada como a finalista.
Radamés admite que esses fatores estiveram no bojo da avaliação de risco como componentes importantes. Na reta final do processo de privatização, avaliando a matriz de risco, estrutura de capital, e olhando para o conjunto de projetos que há pela frente, a decisão da companhia foi não entrar.
“Vamos tentar, com essa etapa de aprendizado gerado na Sabesp, nos capacitar para outras jornadas, talvez como Copasa e Sanepar.”
Nas últimas semanas, o governo de Minas Gerais encaminhou projeto à Assembleia Legislativa para desestatização da companhia de saneamento. Agentes do mercado também têm falado com mais intensidade sobre privatizar a estatal paranaense.
Erros no leilão do Rio de Janeiro
A Aegea é a principal concessionária de saneamento do Rio de Janeiro, onde a operação é fatiada com outros grupos. Recentemente, a empresa apontou em estudo um desequilíbrio econômico-financeiro de R$ 5,9 bilhões provocado pelo suposto erro no edital de licitação do serviço.
A Aegea afirma que, ao assumir o serviço, identificou uma cobertura inicial de coleta de esgoto. Redes que foram informadas no edital —e que deveriam trazer receita para a Aegea— mas não existiam.
Segundo Radamés, o contrato de saneamento do Rio de Janeiro prevê discussões periódicas sobre temas como cobertura de atendimento e tarifa social. “O que estamos vendo agora é um processo de discussão que já estava previsto.”
O CEO explica que, até o segundo ano de operação, a concessionária deveria informar qual era o índice de cobertura. O próprio edital estabelecia que, havendo diferença maior que 18,5%, o contrato precisaria ser reequilibrado.
“Quando comparamos a gestão do contrato no Rio de Janeiro com a das 500 cidades onde operamos, eu diria que estamos no topo de linha da regulação contratual”, diz.
Raio-x | Radamés Casseb, 51
Há quatro anos à frente do cargo, ingressou na Aegea em 2011, como diretor de Operações. Graduado em Informática e especializado em Gestão de Infraestrutura pela FGV (Fundação Getulio Vargas) e em Gestão Avançada pela Fundação Dom Cabral/Insead. Antes, atuou como diretor da Equipav e da Cibe.