O Ministério de Minas e Energia (MME) preparou uma Medida Provisória (MP) para usar os recursos da privatização da Eletrobras para reduzir a conta de luz, na média, em 3,5% neste ano, o que poderia praticamente anular reajustes já previstos. O texto também prorroga um desconto em tarifas para usinas de energia renovável, mas especialistas lançaram dúvidas sobre a eficácia da proposta.

A MP aguarda aval da Casa Civil para ser publicada.

A ideia é usar os recursos de fundos criados com a privatização da estatal para pagar empréstimos tomados pelas distribuidoras de eletricidade, durante o auge da pandemia de Covid-19, em 2020, e a seca que baixou os reservatórios das hidrelétricas, entre 2021 e 2022.

Esses financiamentos, coordenados pelo BNDES e concedidos por diversos bancos, têm o custo repassado aos consumidores, na conta de luz.

O texto que justifica a edição da MP ressalta que “a quitação dos empréstimos promoverá uma redução estrutural, em média, de 3,5% nas tarifas de todos os consumidores já em 2024, equivalente aos custos da tarifa social de energia elétrica e de universalização em 2023”.

De acordo com especialistas consultados pelo GLOBO, isso não significa que a conta de luz ficará mais barata, mas a redução poderá praticamente anular os reajustes previstos para este ano.

Esses aumentos, autorizados todos os anos, ficarão entre 4,5% e 5% em 2024, dependendo da concessionária de eletricidade — cada empresa atua numa área geográfica do país —, estimou Edvaldo Santana, professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Governo antecipa

O ex-diretor da Aneel explicou que, atualmente, a Eletrobras paga um valor anual ao governo — uma parte dos recursos levantados na capitalização da empresa, numa oferta de ações na B3, em meados de 2022. Com a MP, haverá uma antecipação dessas parcelas anuais.

Segundo uma fonte do setor elétrico, que pediu o anonimato, o governo fará a antecipação, para depois receber os pagamentos parcelados da Eletrobras. Dessa forma, a companhia seguirá pagando exatamente da mesma forma — procurada, a empresa não comentou a medida.

A MP não define quanto poderá ser antecipado, mas, em fevereiro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que pretendia adiantar R$ 26 bilhões. Nos cálculos de Santana, o valor poderia ser de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões.

Para permitir o alívio no preço da conta de luz, a MP mudará o destino dos recursos. Os valores da Eletrobras quitariam a “Conta Covid” e a “Conta Escassez Hídrica”, pelas quais os consumidores pagam, na conta de luz, os financiamentos tomados pelas distribuidoras de 2020 e 2022.

— Na prática, em vez de o consumidor pagar esses encargos, quem vai pagar é o próprio governo através dessa antecipação. É uma queda representativa para o consumidor — afirmou Santana.

Segundo o advogado Tiago Figueiró, sócio das áreas de M&A (fusões e aquisições) e Energia do escritório Souto Correa Advogados, feita a realocação, fica a dúvida sobre como serão custeados os projetos que, inicialmente, receberiam esses valores, como estabelecido na lei que autorizou a privatização da Eletrobras, em 2022:

— A questão é saber como ficarão outros projetos que vão receber recursos da Eletrobras nos próximos anos, conforme acordado na privatização, como os investimentos previstos para a navegabilidade dos rios Tocantins e Madeira, além da integração do Rio São Francisco com outros rios.

Em parte por isso, Clarice Ferraz, professora da Escola de Química da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina, vê a nova MP como uma “maquiagem”, uma “manobra” para adiar problemas que levam ao aumento sistemático das tarifas no setor elétrico.

A professora comparou a proposta à MP 579, publicada pelo governo Dilma Rousseff em 2012, que impôs uma redução de tarifas ao setor elétrico com a renovação antecipada de concessões de usinas geradoras.

— A queda teve pouca duração e houve ainda um agravamento da crise do setor. Não se pode mais fazer dessa forma. O setor chegou a um esgotamento do seu modelo. Não se faz isso por MP ou por pedaços — disse a diretora do Instituto Ilumina, ressaltando que a antecipação poderá deixar outras despesas descobertas. — Essa MP não conversa com os projetos do governo.

A proposta do MME também procura aliviar as contas de luz no Amapá. Em novembro, a Aneel aprovou um reajuste de 44,41% na conta de luz da concessionária que no estado. A decisão acabou sendo suspensa pelo Judiciário e foi adiada em 45 dias pela própria agência em dezembro do ano passado.

Desconto prorrogado

Além disso, a MP trata das linhas de transmissão do Nordeste e estabelece um prazo adicional de 36 meses, para usinas de energia renovável, como eólica e solar, receberem desconto nas tarifas de uso da rede geral de transmissão de eletricidade.

Uma lei de 2021 determinou o fim gradativo desses descontos. Com a MP, as empresas terão mais três anos para construir usinas com a garantia de ter o desconto. Em contrapartida, deverão apresentar uma “garantia de fiel cumprimento”, no valor de 5% do empreendimento.

Segundo a área técnica do MME, a prorrogação do desconto vai gerar R$ 165 bilhões em investimentos e mais de 400 mil empregos, mas Figueiró, do Souto Correa Advogados, ponderou que o prazo adicional poderá levar a mais encargos na conta de luz.

— É preciso fazer a conta para saber se isso pode, de certa forma, anular a antecipação dos recursos da Eletrobras na MP, já que quando uma empresa deixa de pagar os encargos, o custo é repartido pelos outros consumidores — disse Figueiró.

Ponto turístico não falta no Rio para quem busa lazer, curtir as férias e carnaval. É esse o tripé que sustenta a atividade na cidade. A informação — obtida a partir de levantamento feito pelo Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises (IFec RJ) com 1.400 turistas estrangeiros e brasileiros entre os dias 5 e 19 de fevereiro — não chega a ser surpreendente, dadas as muitas opções que a cidade oferece para atividades ligadas às necessárias práticas do ócio e do prazer. Porém, que ninguém se engane, a festa gera dividendos significativos: o impacto do turismo na economia do estado, segundo o estudo, é de R$ 2,35 bilhões, dinheiro deixado pelos visitantes em meios de hospedagem, restaurantes, entretenimento e compras.

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De acordo com o IFec RJ, a 91,8% dos visitantes vêm ao Rio atrás de diversão, descanso e… samba. É bem possível que o período escolhido para as entrevistas, que coincidiu com o carnaval deste ano, tenha influenciado o resultado, mas o fato é que 30,2% desse público chegou de olho nas festividades de Momo. Menos de 10% do total ficam no campo do chamado “turismo de negócios”.

A pesquisa mostra ainda que o Rio não é uma simples paixão de verão (ou um amor de carnaval, como queiram). Quem conhece, costuma voltar. Mais precisamente, 58,1% dos entrevistados disseram que já tinham visitado antes. E mais: dos turistas reincidentes 27,7% disseram que estiveram na cidade mais de dez vezes.

A cidade oferece belezas naturais, entre as quais praias entre as mais famosas do mundo e a maior floresta urbana do planeta, tem fartas opções culturais, mas tudo isso tem um preço. Mais de 40% dos entrevistados consideram o Rio caro ou muito caro.

Foram 791 turistas estrangeiros e 609 brasileiros ouvidos. As entrevistas foram realizadas na orla, entre Copacabana e a Barra da Tijuca. Também foram ouvidos turistas nos dias de desfile na Marquês de Sapucaí. Em que pese a grave e prolongada 0crise econômica enfrentada pela Argentina, nossos vizinhos são a maioria entre os estrangeiros que nos visitam: 16,3% do total. Em seguida vêm os norte-americanos (13,1%) e os chilenos (12,5%). Entre os europeus (38,8% dos turistas estrangeiros ouvidos) a ponta ficou com os franceses (7,5%), seguidos por ingleses (7,2%) e portugueses (4,3%) .

Rivalidade entre Rio e São Paulo? Isso fica apenas no campo das piadas. Entre os turistas brasileiros entrevistados, os paulistas representam mais de um quarto do total (25,3%), seguidos dos mineiros (20%) e gaúchos (13,3%).

As atrações turísticas mais visitadas ou desejadas ficaram dentro do esperado: Cristo Redentor foi o mais citado (62,6%), seguido do Pão de Açúcar (48%) e das praias (18,6%). Em seguida vêm o Sambódromo (14,9%) e o Maracanã por 9,4%.

Na hora de repor as energias, os turistas se mostraram satisfeitos: a gastronomia oferecida por aqui agradou a 84,4% dos entrevistados. A tão falada hospitalidade do carioca também apareceu no estudo: 87,4% ficaram satisfeitos com a forma como foram recebidos.

Quase metade dos visitantes (46,6%) ficou em hotéis, enquanto 31,9% optaram por alugar imóveis em plataformas digitais.

A cidade do Rio foi usada como plataforma para explorar outros destinos no estado por um em cada três turistas. Os destinos mais cotados, pela ordem, foram Armação de Búzios, Arraial do Cabo, Angra dos Reis, Cabo Frio e Paraty.

Sobre o sensível tema da segurança públicos, os 42,6% dos visitantes 42,6% tinham expectativa “muito negativa” antes de vir. Uma vez em terras cariocas, no entanto, 59,3% disseram estar “satisfeitos ou muito satisfeitos” no quesito, contra 16,9% que ficaram “insatisfeitos ou muito insatisfeitos”.

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A interferência do governo em companhias abertas, como a estatal Petrobras e a mineradora Vale, vem contribuindo para azedar ainda mais o humor de investidores em relação ao Brasil, diante de um cenário externo em que a política de juros nos EUA e a incerteza sobre o ritmo do crescimento da China impulsionam a retirada de recursos de mercados emergentes.

Até o último dia 22, estrangeiros retiraram R$ 21,2 bilhões da B3. Já as ações da Vale e da Petrobras já acumulam neste ano quedas de, respectivamente, 19% e de 4%.

Analistas do banco de investimentos Goldman Sachs recomendaram, em relatório a clientes esta semana, a venda de ações de estatais brasileiras e a compra de companhias privadas. Um dos motivos para a recomendação foi a recente interferência na Petrobras — o governo vetou a decisão da petroleira de pagar mais dividendos, maneira pela qual empresas abertas distribuem lucros.

“Tais eventos normalmente levaram a um prêmio de risco mais elevado para os ativos brasileiros”, diz um trecho do relatório do Goldman, assinado pelos estrategistas Jolene Zhong, Nathan Fabius e Caesar Maasry.

Na semana passada, pesquisa de opinião com 100 agentes do mercado no Rio e em São Paulo, do instituto Quaest em parceria com a corretora e gestora Genial Investimentos, apontou o intervencionismo do governo na economia como o principal risco no Brasil. O desequilíbrio nas contas públicas, até então o principal fator a tirar o sono dos investidores, agora aparece em segundo lugar.

Segundo a pesquisa, 97% dos entrevistados classificaram como errada a decisão da Petrobras sobre os dividendos, enquanto 89% disseram que a intervenção na Vale teria como efeito a redução dos investimentos estrangeiros no Brasil — em janeiro, o Palácio do Planalto aumentou a pressão para indicar, sem sucesso, o ex-ministro Guido Mantega como CEO da mineradora. Após os dois episódios, 57% dos entrevistados pelo Quaest disseram ter mudado suas carteiras de investimento.

‘Encanto quebrado’

Para Silvio Campos Neto, sócio e economista sênior da consultoria Tendências, a interferência na Vale e na Petrobras ajudou a influenciar o comportamento dos investidores estrangeiros, que vêm tirando recursos do país.

Os episódios recentes envolvendo as companhias abertas quebraram o “encanto” deles com o governo Luiz Inácio Lula da Silva, ao lembrá-los de que se trata de um governo com viés intervencionista, disse o economista.

Mesmo assim, conforme analistas ouvidos pelo GLOBO, o cenário internacional pesa sobre a saída de recursos de investidores estrangeiros da B3 e sobre a queda nas cotações de ações — a interferência governamental potencializa o movimento.

No lado externo, houve um ajuste na percepção global sobre os rumos da política de juros nos EUA, disse Campos Neto. Agora, investidores esperam que as taxas americanas demorem mais a cair e caiam mais lentamente.

A perspectiva de juros mais altos nos EUA tende a atrair investidores globais para o mercado americano, em detrimento dos países emergentes.

— Os investidores globais passaram a reposicionar as carteiras de investimento à medida que entenderam que o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) iria promover cortes mais lentos — disse Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos.

Ao mesmo tempo, há preocupação com o crescimento da China, principal importadora global de matérias-primas. A perspectiva de um arrefecimento na demanda chinesa diminui o apetite de investidores financeiros por mercados de países produtores desses insumos, como é o caso do Brasil.

— Há preocupação com o crescimento da China e isso pode afetar a compra de commodities (matérias-primas cotadas internacionalmente), o que mexe com nossa Bolsa — explicou Campos Neto, da Tendências.

De acordo com Costa, da Toro Investimentos, o cenário deste início de ano é contrário ao do ano passado. Em 2023, houve saldo positivo nos fluxos de investimento financeiro do exterior, com entrada de capital. Isso também ocorreu em outros países emergentes.

Matheus Nascimento, analista da Levante, diz que a saída de estrangeiros é um dos fatores que pesam no desempenho “de lado” da bolsa este ano. O Ibovespa, principal índice de ações da B3, acumula, no ano, queda de pouco mais de 5%.

— A Bolsa é muito dependente de capital estrangeiro. Eles representam 54,6% do fluxo mensal — disse Nascimento.

O STJD (Superior Tribunal de Justiça) denunciou o acionista majoritário da SAF do Botafogo, John Textor. O motivo foi o norte-americano não ter entregue as provas de corrupção no futebol no período exigido. A informação é do jornal “O Globo”. Assim, o proprietário do futebol alvinegro pode pegar um ano de suspensão.

A Procuradoria-Geral do STJD alega que Textor desobedeceu ordens da Justiça Desportiva e atrapalhou investigação do tribunal.

Textor, no início do mês, afirmou que dispõe de áudios de árbitros brasileiros reclamando por não receberem propinas. Em dezembro do ano passado, Textor também procurou o STJD, com a mesma denúncia. O tribunal, no entanto, arquivou a demanda do mandachuva do Botafogo.

O empresário entende, então, que o Tribunal Desportivo não é um órgão competente para apreciar suas acusações e assegurou, através de seus advogados, que vai entregar os documentos ao Ministério Público.

Ainda em março, auditor Mauro Marcelo de Lima e Silva chegou a determinar suspensão do magnata do Botafogo. O pleno do STJD, no entanto, não referendou esta decisão.

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Pessoas apanhadas em meio à guerra civil do Sudão relataram à BBC casos de estupro, violência étnica e execuções nas ruas. Nossos jornalistas conseguiram chegar à linha da frente dos combates perto da capital, Cartum.

Um alto funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) descreveu o conflito como uma “guerra oculta” que mergulhou o país em um “dos piores pesadelos humanitários da história recente”, enquanto outros alertam que pode desencadear a maior crise de fome no mundo.

Há também receios de que em Darfur, no oeste do país, possa estar começando a acontecer uma repetição daquilo que os EUA chamaram de genocídio há 20 anos.

AVISO: este artigo contém relatos de violência física e sexual.

Do nada, uma enorme explosão sacode a estrada em Omdurman. As pessoas berram e correm em todas as direções, gritando: “Voltem, voltem, vai ter outra”. Uma fumaça espessa cobre tudo.

Momentos antes, a rua arrasada estava repleta de pedestres que compravam arroz, pão e legumes nos mercados, que só recentemente começaram a reabrir.

Em meados de fevereiro, o Exército sudanês retomou a cidade — uma das três ao longo do Rio Nilo que compõem a região metropolitana da capital do Sudão, Cartum.

Os civis já começaram a regressar, mas morteiros, como o lançado no meio desta rua principal, ainda caem diariamente.

Para os meios de comunicação internacionais, tem sido difícil obter acesso para cobrir a guerra civil que eclodiu em abril do ano passado — mas a BBC conseguiu chegar à linha da frente. Encontramos o outrora movimentado centro de Omdurman transformado em um terreno baldio escassamente povoado.

O violento embate pelo poder entre os militares do país e seu antigo aliado, o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), matou pelo menos 14 mil pessoas em todo o país — possivelmente muito mais.

Há quase um ano, o Exército e as RSF lutam por Cartum e pelas cidades vizinhas.

As RSF assumiram o controle de áreas ao sul da capital, assim como de grandes partes de Darfur, que vive há anos em turbulência devido à violência entre suas várias comunidades africanas e árabes.

Mulheres que fugiram de Darfur para o Chade, país vizinho, contaram à BBC terem sido estupradas — às vezes, diversas vezes — por milicianos. Os homens nos acampamentos disseram que tinham escapado de execuções e raptos nas ruas.

Incorporada à linha de frente de combate junto ao Exército em Omdurman, a equipe da BBC teve seus movimentos cuidadosamente controlados — havia uma espécie de guarda-costas com a gente, e não tínhamos autorização para filmar atividades militares.

O Exército teme que informações sobre suas atividades sejam vazadas.

Quando nosso cinegrafista começa a filmar as consequências da explosão do morteiro, homens armados em trajes civis o cercam — um deles aponta uma arma para a cabeça dele.

Acabou que eles eram integrantes do serviço de inteligência militar, mas é um sinal de quão alta a tensão está.

Apesar da recente conquista do Exército em Omdurman, ainda ouvimos trocas de tiros na região de vez em quando.

Parte da linha de frente está agora ao longo do Nilo, que separa Cartum, no lado leste, de Omdurman, que fica a oeste do rio.

Os militares dizem para a gente que atiradores das RSF estão posicionados em blocos de apartamentos do outro lado do rio, em relação ao Exército sudanês, posicionado no prédio do Parlamento, seriamente danificado.

O antigo mercado de Omdurman, outrora movimentado com visitantes e moradores locais , está em ruínas — e suas lojas foram saqueadas. A maioria dos veículos nas estradas são militares.

Mais de três milhões de pessoas fugiram do estado de Cartum nos últimos 11 meses, mas alguns moradores de Omdurman se recusaram a sair. A maioria que encontramos são idosos.

A menos de um quilômetro da linha da frente, Mukhtar al-Badri Mohieddin caminha com um cajado perto de uma mesquita com a torre danificada.

A área aberta do lado oposto está coberta por sepulturas improvisadas — montes de terra marcados com pedaços de tijolos quebrados, tábuas e placas de concreto.

“Há 150 pessoas aqui. Conhecia muitas delas, Mohamed, Abdullah… Jalal”, diz ele, fazendo uma longa pausa diante de um nome, Youssef al-Habr, um conhecido professor de literatura árabe.

“Só eu sobrei”, acrescenta.

Os militares sudaneses têm sido criticados pelo uso intensivo de bombardeios aéreos, incluindo em áreas civis onde os combatentes das RSF se escondem — embora afirmem que tomam as “precauções necessárias” para proteger os civis.

As pessoas aqui responsabilizam ambos os lados pela destruição dentro e ao redor da capital.

Mas muitas acusam as RSF de saques e ataques durante o período em que controlavam a área.

“Eles retiraram pertences das casas, roubaram carros, aparelhos de TV, espancaram pessoas idosas, até mesmo mulheres”, conta o morador Muhammad Abdel Muttalib.

“As pessoas morreram de fome, tirei algumas de suas casas para que os corpos não apodrecessem lá dentro”, acrescenta.

Ele diz que é “de conhecimento geral” que mulheres foram estupradas em suas casas — e apalpadas durante verificações de segurança.

Afaf Muhammad Salem, com quase 60 anos, vivia com os irmãos em Cartum quando a guerra começou.

Ela diz que se mudou para Omdurman, do outro lado do rio, depois de terem sido atacados por combatentes das RSF, que, segundo ela, saquearam sua casa e atiraram na perna do seu irmão.

“Eles estavam espancando mulheres e idosos, e ameaçavam meninas inocentes”, relata.

Em uma referência velada à violência sexual, que é um tema considerado tabu no Sudão, ela acrescenta:

“Insultar a honra causa mais danos do que levar dinheiro”.

‘Uma arma de vingança’

As vítimas de estupro podem enfrentar uma vida inteira de estigma e marginalização por parte das suas próprias famílias e comunidades. Muitas gente em Omdurman não qui discutir o assunto.

Mas a mais de 1.000 quilômetros a oeste, nos extensos campos de refugiados ao longo da fronteira com o Chade, o volume de relatos de violência sexual que estão surgindo, está forçando um novo e sombrio nível de abertura.

Amina, cujo nome alteramos para proteger sua identidade, foi até uma clínica temporária administrada pela organização Médicos Sem Fronteiras, em busca de um aborto. Ela nos cumprimenta sem olhar para cima.

A jovem de 19 anos, que fugiu de Darfur, no Sudão, só descobriu que estava grávida um dia antes. Ela espera desesperadamente que sua família nunca descubra.

“Não sou casada e era virgem”, diz Amina, hesitante.

Em novembro, milicianos pegaram ela, com a tia e os primos, enquanto fugiam da sua cidade natal, Ardamata, para a cidade vizinha de Geneina.

“Os outros escaparam, mas eles ficaram comigo por um dia inteiro. Eram dois, e um deles me estuprou várias vezes antes de eu conseguir escapar”, diz ela.

O domínio crescente das RSF em Darfur, apoiado pelas milícias árabes aliadas, trouxe consigo um aumento de ataques de origem étnica contra a população negra africana, especialmente o grupo étnico Masalit.

A história de Amina é apenas um dos muitos relatos de ataques contra civis ocorridos por volta de 4 de novembro, quando as RSF e seus aliados tomaram uma base militar sudanesa em Ardamata.

De acordo com um relatório recente da ONU, ao qual a BBC teve acesso, acredita-se que mais de 10 mil pessoas tenham sido mortas na região desde abril.

A ONU documentou cerca de 120 vítimas de violência sexual relacionada com o conflito em todo o país, o que considera ser “uma vasta sub-representação da realidade”.

O relatório afirma que homens uniformizados das RSF e homens armados afiliados ao grupo foram denunciados como responsáveis por mais de 80% dos ataques. Separadamente, também houve alguns relatos de agressões sexuais por parte dos militares sudaneses.

Do lado de fora do mesmo acampamento, que fica na cidade de Adré, na fronteira, cerca de 30 mulheres e meninas se reúnem em uma cabana ao meio-dia.

Balões rosa e azuis estão pendurados no teto, junto a cartazes feitos à mão. “O estupro não é destino; é uma prática que pode ser interrompida”, lê-se.

As lágrimas escorrem livremente enquanto as mulheres falam das suas experiências de violência física e sexual.

Maryamu (nome fictício) contou que foi estuprada em novembro dentro de sua casa, em Geneina, por homens armados que usavam uma espécie de turbante na cabeça, típicos dos combatentes árabes na região.

Depois disso, ela teve dificuldade para andar, contou ela soluçando, enquanto descrevia o processo de fuga:

“As pessoas estavam correndo, mas a gente não podia, porque minha avó não consegue correr. Eu também estava sangrando.”

Zahra Khamis, uma assistente social que também é refugiada, dirige o grupo.

Tanto Amina quanto Maryamu são de comunidades negras africanas — que, segundo Khamis, estão sendo alvo de ataques em Darfur, especialmente o grupo étnico Masalit.

Durante a guerra em Darfur, há 20 anos, uma milícia árabe chamada Janjaweed — na qual as RSF têm suas raízes — foi mobilizada pelo antigo presidente Omar al-Bashir para esmagar uma rebelião de grupos étnicos não-árabes.

A ONU afirma que 300 mil pessoas foram mortas, e o estupro foi amplamente utilizado como forma de aterrorizar as comunidades negras africanas e forçá-las a fugir. Alguns líderes da Janjaweed e Bashir foram indiciados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) sob a acusação de genocídio e crimes contra a humanidade. Eles negaram as acusações — e ninguém foi condenado.

Khamis acredita que o estupro está sendo usado neste conflito “como arma de vingança”.

“Eles estão fazendo isso com as mulheres porque o estupro causa impacto na sociedade e na família”, acrescenta.

Em um raro vislumbre sobre as atitudes que levam à violência contra as mulheres, um membro das RSF que se descreve como um “comandante de campo” publicou um vídeo nas redes sociais em novembro.

“Se estuprarmos sua filha ou sua garota, é olho por olho. Este é o nosso país, e este é o nosso direito, e nós fazemos valer”, diz ele no vídeo, que agora foi excluído.

Em resposta às perguntas da BBC sobre os casos de estupro e outros ataques, as RSF dizem que a inteligência militar sudanesa estava “recrutando pessoas para usarem roupas das RSF e cometerem crimes contra civis, para que se possa dizer que as RSF estão cometendo crimes, abuso sexual e limpeza étnica”.

“Talvez um ou dois incidentes tenham sido cometidos por combatentes das RSF, e eles foram responsabilizados”, declarou Omran Abdullah Hassan, da assessoria do líder das RSF, à BBC.

No ano passado, as RSF disseram que iriam abrir um processo para investigar supostas violações de direitos humanos cometidas por suas forças, mas a ONU afirma que não foram fornecidos detalhes.

‘Se você é Masalit, eles te matam’

Em outro abrigo no mesmo acampamento, as mãos de Ahmat tremem enquanto ele assiste a um vídeo no celular, que foi verificado pela BBC, mostrando cinco homens desarmados enfileirados em uma rua de Ardamata, em novembro.

“Vou acabar com eles”, grita uma voz em árabe sudanês, antes de os homens serem alvejados por disparos de um rifle de assalto à queima-roupa.

“Este é o Amir, e este é o Abbas…”, diz Ahmat, com uma lágrima escorrendo pelo rosto.

Esta é a primeira vez que o homem de 30 anos, cujo nome mudamos, vê o vídeo do momento em que foi baleado. O mesmo foi filmado, aparentemente por um dos homens armados, no dia 5 de novembro — um dia depois de as RSF terem tomado a base militar — e publicado online.

Ahmat conta que seu primo Amir e seu amigo Abbas morreram na hora, mas ele e os outros dois sobreviveram.

Uma grande cicatriz nas costas marca o orifício de saída da bala que atravessou seu ombro. Ele diz que era professor antes da guerra — e que todos os cinco eram civis.

“Deitamos como se estivéssemos mortos”, recorda.

“Me lembro de ter rezado. Achava que era o fim.”

Ahmat conta que foi sequestrado perto de sua casa por membros das RSF e seus aliados. O vídeo mostra homens vestidos no estilo típico dessas forças.

Dois outros homens relaram de forma detalhada à BBC terem sido raptados e feridos por homens armados que acreditam estarem ligados às RSF durante o mesmo período em Ardamata.

Um deles, Yussouf Abdallah, de 55 anos, nos disse que conseguiu escapar depois de ser mantido por homens armados. Ele relatou que viu eles matarem uma mulher e o filho recém-nascido.

“Eles perguntaram se somos da comunidade Masalit e, se você for, eles matam você automaticamente”, acrescentou.

O Sudão entrou num novo período de instabilidade em 2019, quando protestos de rua e um golpe militar puseram fim ao governo de quase três décadas de Bashir.

Foi estabelecido então um governo civil-militar conjunto, que foi derrubado por outro golpe do Exército e das RSF em outubro de 2021.

Mas os dois aliados discordaram sobre a proposta de mudança para um regime civil — e sobre como as RSF deveriam ser integradas às Forças Armadas convencionais.

Em abril do ano passado, as RSF reposicionaram seus membros por todo o país. O Exército sudanês viu a movimentação como uma ameaça, e a violência começou, com nenhum dos lados querendo abdicar dos lucrativos dividendos do poder.

‘À beira da fome’

Quase um ano depois, as agências humanitárias alertam para uma situação humanitária que está ficando fora de controle — e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma que algumas comunidades estão à beira da fome.

Manasek, de três anos, é uma entre centenas de milhares de crianças que já sofrem de desnutrição grave. Ela não tem forças para andar, e mal consegue manter a cabeça erguida.

A mãe, Ikram, nina a filha em um hospital da Unicef em Porto Sudão, uma cidade no Mar Vermelho onde milhares de pessoas que fugiram dos combates em Cartum procuraram refúgio — e para onde a maioria das instituições governamentais e organizações humanitárias também se mudaram.

Ela não sabe se Manasek tem uma doença subjacente — e não pode pagar por exames médicos para descobrir.

“Perdemos as nossas vidas, perdemos os nossos empregos”, diz ela, explicando que o marido foi para o norte do Sudão em busca de trabalho agrícola, e como os preços dos alimentos dispararam, ficaram inacessíveis. Ela abaixa a cabeça, enxugando as lágrimas, incapaz de dizer mais nada.

Visitamos uma escola em Porto Sudão. As salas de aula onde os alunos outrora estudavam, estão agora lotadas de famílias desesperadas.

Um córrego de esgoto passa pela lateral do pátio, onde crianças brincam descalças perto de pilhas de lixo. Nos disseram que cinco pessoas morreram de cólera aqui.

Zubaida Ammar Muhammad, mãe de oito filhos, tosse ao nos contar que tem leucemia — e sente dores desde abril, quando seus remédios acabaram. Ela não foi capaz de conseguir mais quando a guerra eclodiu, e a família fugiu da região de Cartum.

O marido dela se voluntariou para lutar com os militares sudaneses, e ela não tem notícias dele há dois meses. A mãe dela, a avó e os três filhos que ficam com elas não podem fazer praticamente nada, a não ser ver a sua saúde se deteriorar.

Em Porto Sudão, também encontramos um grupo de cristãos coptas que fugiram da capital, para escapar das ameaças e ataques das RSF, e dos bombardeios aéreos militares.

“A força aérea de Cartum nos destruiu”, diz Sarah Elias, que faz parte do grupo.

Ela conta que um ataque aéreo matou seu marido, e outro atingiu a casa de um vizinho, matando nove pessoas, enquanto os militares tinham como alvo combatentes das RSF escondidos em áreas residenciais e igrejas.

Os EUA afirmam que ambos os lados cometeram crimes de guerra, e que as RSF e suas milícias aliadas também cometeram crimes contra a humanidade e limpeza étnica.

Ambos os lados negam as acusações.

Em onze meses de guerra, há poucos sinais de que haja qualquer vontade de ambos os lados de pôr fim ao conflito.

A maioria das pessoas que podiam, fugiram do país. E, à medida que o conflito, a fome e as doenças avançam, muita gente aqui se pergunta o que vai restar para alguém declarar vitória.

* Reportagem adicional de Peter Ball e Mohamed Ibrahim, verificação de Peter Mwai.

Pessoas apanhadas em meio à guerra civil do Sudão relataram à BBC casos de estupro, violência étnica e execuções nas ruas. Nossos jornalistas conseguiram chegar à linha da frente dos combates perto da capital, Cartum.

Um alto funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) descreveu o conflito como uma “guerra oculta” que mergulhou o país em um “dos piores pesadelos humanitários da história recente”, enquanto outros alertam que pode desencadear a maior crise de fome no mundo.

Há também receios de que em Darfur, no oeste do país, possa estar começando a acontecer uma repetição daquilo que os EUA chamaram de genocídio há 20 anos.

AVISO: este artigo contém relatos de violência física e sexual.

Do nada, uma enorme explosão sacode a estrada em Omdurman. As pessoas berram e correm em todas as direções, gritando: “Voltem, voltem, vai ter outra”. Uma fumaça espessa cobre tudo.

Momentos antes, a rua arrasada estava repleta de pedestres que compravam arroz, pão e legumes nos mercados, que só recentemente começaram a reabrir.

Em meados de fevereiro, o Exército sudanês retomou a cidade — uma das três ao longo do Rio Nilo que compõem a região metropolitana da capital do Sudão, Cartum.

Os civis já começaram a regressar, mas morteiros, como o lançado no meio desta rua principal, ainda caem diariamente.

Para os meios de comunicação internacionais, tem sido difícil obter acesso para cobrir a guerra civil que eclodiu em abril do ano passado — mas a BBC conseguiu chegar à linha da frente. Encontramos o outrora movimentado centro de Omdurman transformado em um terreno baldio escassamente povoado.

O violento embate pelo poder entre os militares do país e seu antigo aliado, o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), matou pelo menos 14 mil pessoas em todo o país — possivelmente muito mais.

Há quase um ano, o Exército e as RSF lutam por Cartum e pelas cidades vizinhas.

As RSF assumiram o controle de áreas ao sul da capital, assim como de grandes partes de Darfur, que vive há anos em turbulência devido à violência entre suas várias comunidades africanas e árabes.

Mulheres que fugiram de Darfur para o Chade, país vizinho, contaram à BBC terem sido estupradas — às vezes, diversas vezes — por milicianos. Os homens nos acampamentos disseram que tinham escapado de execuções e raptos nas ruas.

Incorporada à linha de frente de combate junto ao Exército em Omdurman, a equipe da BBC teve seus movimentos cuidadosamente controlados — havia uma espécie de guarda-costas com a gente, e não tínhamos autorização para filmar atividades militares.

O Exército teme que informações sobre suas atividades sejam vazadas.

Quando nosso cinegrafista começa a filmar as consequências da explosão do morteiro, homens armados em trajes civis o cercam — um deles aponta uma arma para a cabeça dele.

Acabou que eles eram integrantes do serviço de inteligência militar, mas é um sinal de quão alta a tensão está.

Apesar da recente conquista do Exército em Omdurman, ainda ouvimos trocas de tiros na região de vez em quando.

Parte da linha de frente está agora ao longo do Nilo, que separa Cartum, no lado leste, de Omdurman, que fica a oeste do rio.

Os militares dizem para a gente que atiradores das RSF estão posicionados em blocos de apartamentos do outro lado do rio, em relação ao Exército sudanês, posicionado no prédio do Parlamento, seriamente danificado.

O antigo mercado de Omdurman, outrora movimentado com visitantes e moradores locais , está em ruínas — e suas lojas foram saqueadas. A maioria dos veículos nas estradas são militares.

Mais de três milhões de pessoas fugiram do estado de Cartum nos últimos 11 meses, mas alguns moradores de Omdurman se recusaram a sair. A maioria que encontramos são idosos.

A menos de um quilômetro da linha da frente, Mukhtar al-Badri Mohieddin caminha com um cajado perto de uma mesquita com a torre danificada.

A área aberta do lado oposto está coberta por sepulturas improvisadas — montes de terra marcados com pedaços de tijolos quebrados, tábuas e placas de concreto.

“Há 150 pessoas aqui. Conhecia muitas delas, Mohamed, Abdullah… Jalal”, diz ele, fazendo uma longa pausa diante de um nome, Youssef al-Habr, um conhecido professor de literatura árabe.

“Só eu sobrei”, acrescenta.

Os militares sudaneses têm sido criticados pelo uso intensivo de bombardeios aéreos, incluindo em áreas civis onde os combatentes das RSF se escondem — embora afirmem que tomam as “precauções necessárias” para proteger os civis.

As pessoas aqui responsabilizam ambos os lados pela destruição dentro e ao redor da capital.

Mas muitas acusam as RSF de saques e ataques durante o período em que controlavam a área.

“Eles retiraram pertences das casas, roubaram carros, aparelhos de TV, espancaram pessoas idosas, até mesmo mulheres”, conta o morador Muhammad Abdel Muttalib.

“As pessoas morreram de fome, tirei algumas de suas casas para que os corpos não apodrecessem lá dentro”, acrescenta.

Ele diz que é “de conhecimento geral” que mulheres foram estupradas em suas casas — e apalpadas durante verificações de segurança.

Afaf Muhammad Salem, com quase 60 anos, vivia com os irmãos em Cartum quando a guerra começou.

Ela diz que se mudou para Omdurman, do outro lado do rio, depois de terem sido atacados por combatentes das RSF, que, segundo ela, saquearam sua casa e atiraram na perna do seu irmão.

“Eles estavam espancando mulheres e idosos, e ameaçavam meninas inocentes”, relata.

Em uma referência velada à violência sexual, que é um tema considerado tabu no Sudão, ela acrescenta:

“Insultar a honra causa mais danos do que levar dinheiro”.

‘Uma arma de vingança’

As vítimas de estupro podem enfrentar uma vida inteira de estigma e marginalização por parte das suas próprias famílias e comunidades. Muitas gente em Omdurman não qui discutir o assunto.

Mas a mais de 1.000 quilômetros a oeste, nos extensos campos de refugiados ao longo da fronteira com o Chade, o volume de relatos de violência sexual que estão surgindo, está forçando um novo e sombrio nível de abertura.

Amina, cujo nome alteramos para proteger sua identidade, foi até uma clínica temporária administrada pela organização Médicos Sem Fronteiras, em busca de um aborto. Ela nos cumprimenta sem olhar para cima.

A jovem de 19 anos, que fugiu de Darfur, no Sudão, só descobriu que estava grávida um dia antes. Ela espera desesperadamente que sua família nunca descubra.

“Não sou casada e era virgem”, diz Amina, hesitante.

Em novembro, milicianos pegaram ela, com a tia e os primos, enquanto fugiam da sua cidade natal, Ardamata, para a cidade vizinha de Geneina.

“Os outros escaparam, mas eles ficaram comigo por um dia inteiro. Eram dois, e um deles me estuprou várias vezes antes de eu conseguir escapar”, diz ela.

O domínio crescente das RSF em Darfur, apoiado pelas milícias árabes aliadas, trouxe consigo um aumento de ataques de origem étnica contra a população negra africana, especialmente o grupo étnico Masalit.

A história de Amina é apenas um dos muitos relatos de ataques contra civis ocorridos por volta de 4 de novembro, quando as RSF e seus aliados tomaram uma base militar sudanesa em Ardamata.

De acordo com um relatório recente da ONU, ao qual a BBC teve acesso, acredita-se que mais de 10 mil pessoas tenham sido mortas na região desde abril.

A ONU documentou cerca de 120 vítimas de violência sexual relacionada com o conflito em todo o país, o que considera ser “uma vasta sub-representação da realidade”.

O relatório afirma que homens uniformizados das RSF e homens armados afiliados ao grupo foram denunciados como responsáveis por mais de 80% dos ataques. Separadamente, também houve alguns relatos de agressões sexuais por parte dos militares sudaneses.

Do lado de fora do mesmo acampamento, que fica na cidade de Adré, na fronteira, cerca de 30 mulheres e meninas se reúnem em uma cabana ao meio-dia.

Balões rosa e azuis estão pendurados no teto, junto a cartazes feitos à mão. “O estupro não é destino; é uma prática que pode ser interrompida”, lê-se.

As lágrimas escorrem livremente enquanto as mulheres falam das suas experiências de violência física e sexual.

Maryamu (nome fictício) contou que foi estuprada em novembro dentro de sua casa, em Geneina, por homens armados que usavam uma espécie de turbante na cabeça, típicos dos combatentes árabes na região.

Depois disso, ela teve dificuldade para andar, contou ela soluçando, enquanto descrevia o processo de fuga:

“As pessoas estavam correndo, mas a gente não podia, porque minha avó não consegue correr. Eu também estava sangrando.”

Zahra Khamis, uma assistente social que também é refugiada, dirige o grupo.

Tanto Amina quanto Maryamu são de comunidades negras africanas — que, segundo Khamis, estão sendo alvo de ataques em Darfur, especialmente o grupo étnico Masalit.

Durante a guerra em Darfur, há 20 anos, uma milícia árabe chamada Janjaweed — na qual as RSF têm suas raízes — foi mobilizada pelo antigo presidente Omar al-Bashir para esmagar uma rebelião de grupos étnicos não-árabes.

A ONU afirma que 300 mil pessoas foram mortas, e o estupro foi amplamente utilizado como forma de aterrorizar as comunidades negras africanas e forçá-las a fugir. Alguns líderes da Janjaweed e Bashir foram indiciados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) sob a acusação de genocídio e crimes contra a humanidade. Eles negaram as acusações — e ninguém foi condenado.

Khamis acredita que o estupro está sendo usado neste conflito “como arma de vingança”.

“Eles estão fazendo isso com as mulheres porque o estupro causa impacto na sociedade e na família”, acrescenta.

Em um raro vislumbre sobre as atitudes que levam à violência contra as mulheres, um membro das RSF que se descreve como um “comandante de campo” publicou um vídeo nas redes sociais em novembro.

“Se estuprarmos sua filha ou sua garota, é olho por olho. Este é o nosso país, e este é o nosso direito, e nós fazemos valer”, diz ele no vídeo, que agora foi excluído.

Em resposta às perguntas da BBC sobre os casos de estupro e outros ataques, as RSF dizem que a inteligência militar sudanesa estava “recrutando pessoas para usarem roupas das RSF e cometerem crimes contra civis, para que se possa dizer que as RSF estão cometendo crimes, abuso sexual e limpeza étnica”.

“Talvez um ou dois incidentes tenham sido cometidos por combatentes das RSF, e eles foram responsabilizados”, declarou Omran Abdullah Hassan, da assessoria do líder das RSF, à BBC.

No ano passado, as RSF disseram que iriam abrir um processo para investigar supostas violações de direitos humanos cometidas por suas forças, mas a ONU afirma que não foram fornecidos detalhes.

‘Se você é Masalit, eles te matam’

Em outro abrigo no mesmo acampamento, as mãos de Ahmat tremem enquanto ele assiste a um vídeo no celular, que foi verificado pela BBC, mostrando cinco homens desarmados enfileirados em uma rua de Ardamata, em novembro.

“Vou acabar com eles”, grita uma voz em árabe sudanês, antes de os homens serem alvejados por disparos de um rifle de assalto à queima-roupa.

“Este é o Amir, e este é o Abbas…”, diz Ahmat, com uma lágrima escorrendo pelo rosto.

Esta é a primeira vez que o homem de 30 anos, cujo nome mudamos, vê o vídeo do momento em que foi baleado. O mesmo foi filmado, aparentemente por um dos homens armados, no dia 5 de novembro — um dia depois de as RSF terem tomado a base militar — e publicado online.

Ahmat conta que seu primo Amir e seu amigo Abbas morreram na hora, mas ele e os outros dois sobreviveram.

Uma grande cicatriz nas costas marca o orifício de saída da bala que atravessou seu ombro. Ele diz que era professor antes da guerra — e que todos os cinco eram civis.

“Deitamos como se estivéssemos mortos”, recorda.

“Me lembro de ter rezado. Achava que era o fim.”

Ahmat conta que foi sequestrado perto de sua casa por membros das RSF e seus aliados. O vídeo mostra homens vestidos no estilo típico dessas forças.

Dois outros homens relaram de forma detalhada à BBC terem sido raptados e feridos por homens armados que acreditam estarem ligados às RSF durante o mesmo período em Ardamata.

Um deles, Yussouf Abdallah, de 55 anos, nos disse que conseguiu escapar depois de ser mantido por homens armados. Ele relatou que viu eles matarem uma mulher e o filho recém-nascido.

“Eles perguntaram se somos da comunidade Masalit e, se você for, eles matam você automaticamente”, acrescentou.

O Sudão entrou num novo período de instabilidade em 2019, quando protestos de rua e um golpe militar puseram fim ao governo de quase três décadas de Bashir.

Foi estabelecido então um governo civil-militar conjunto, que foi derrubado por outro golpe do Exército e das RSF em outubro de 2021.

Mas os dois aliados discordaram sobre a proposta de mudança para um regime civil — e sobre como as RSF deveriam ser integradas às Forças Armadas convencionais.

Em abril do ano passado, as RSF reposicionaram seus membros por todo o país. O Exército sudanês viu a movimentação como uma ameaça, e a violência começou, com nenhum dos lados querendo abdicar dos lucrativos dividendos do poder.

‘À beira da fome’

Quase um ano depois, as agências humanitárias alertam para uma situação humanitária que está ficando fora de controle — e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma que algumas comunidades estão à beira da fome.

Manasek, de três anos, é uma entre centenas de milhares de crianças que já sofrem de desnutrição grave. Ela não tem forças para andar, e mal consegue manter a cabeça erguida.

A mãe, Ikram, nina a filha em um hospital da Unicef em Porto Sudão, uma cidade no Mar Vermelho onde milhares de pessoas que fugiram dos combates em Cartum procuraram refúgio — e para onde a maioria das instituições governamentais e organizações humanitárias também se mudaram.

Ela não sabe se Manasek tem uma doença subjacente — e não pode pagar por exames médicos para descobrir.

“Perdemos as nossas vidas, perdemos os nossos empregos”, diz ela, explicando que o marido foi para o norte do Sudão em busca de trabalho agrícola, e como os preços dos alimentos dispararam, ficaram inacessíveis. Ela abaixa a cabeça, enxugando as lágrimas, incapaz de dizer mais nada.

Visitamos uma escola em Porto Sudão. As salas de aula onde os alunos outrora estudavam, estão agora lotadas de famílias desesperadas.

Um córrego de esgoto passa pela lateral do pátio, onde crianças brincam descalças perto de pilhas de lixo. Nos disseram que cinco pessoas morreram de cólera aqui.

Zubaida Ammar Muhammad, mãe de oito filhos, tosse ao nos contar que tem leucemia — e sente dores desde abril, quando seus remédios acabaram. Ela não foi capaz de conseguir mais quando a guerra eclodiu, e a família fugiu da região de Cartum.

O marido dela se voluntariou para lutar com os militares sudaneses, e ela não tem notícias dele há dois meses. A mãe dela, a avó e os três filhos que ficam com elas não podem fazer praticamente nada, a não ser ver a sua saúde se deteriorar.

Em Porto Sudão, também encontramos um grupo de cristãos coptas que fugiram da capital, para escapar das ameaças e ataques das RSF, e dos bombardeios aéreos militares.

“A força aérea de Cartum nos destruiu”, diz Sarah Elias, que faz parte do grupo.

Ela conta que um ataque aéreo matou seu marido, e outro atingiu a casa de um vizinho, matando nove pessoas, enquanto os militares tinham como alvo combatentes das RSF escondidos em áreas residenciais e igrejas.

Os EUA afirmam que ambos os lados cometeram crimes de guerra, e que as RSF e suas milícias aliadas também cometeram crimes contra a humanidade e limpeza étnica.

Ambos os lados negam as acusações.

Em onze meses de guerra, há poucos sinais de que haja qualquer vontade de ambos os lados de pôr fim ao conflito.

A maioria das pessoas que podiam, fugiram do país. E, à medida que o conflito, a fome e as doenças avançam, muita gente aqui se pergunta o que vai restar para alguém declarar vitória.

* Reportagem adicional de Peter Ball e Mohamed Ibrahim, verificação de Peter Mwai.

Pessoas apanhadas em meio à guerra civil do Sudão relataram à BBC casos de estupro, violência étnica e execuções nas ruas. Nossos jornalistas conseguiram chegar à linha da frente dos combates perto da capital, Cartum.

Um alto funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) descreveu o conflito como uma “guerra oculta” que mergulhou o país em um “dos piores pesadelos humanitários da história recente”, enquanto outros alertam que pode desencadear a maior crise de fome no mundo.

Há também receios de que em Darfur, no oeste do país, possa estar começando a acontecer uma repetição daquilo que os EUA chamaram de genocídio há 20 anos.

AVISO: este artigo contém relatos de violência física e sexual.

Do nada, uma enorme explosão sacode a estrada em Omdurman. As pessoas berram e correm em todas as direções, gritando: “Voltem, voltem, vai ter outra”. Uma fumaça espessa cobre tudo.

Momentos antes, a rua arrasada estava repleta de pedestres que compravam arroz, pão e legumes nos mercados, que só recentemente começaram a reabrir.

Em meados de fevereiro, o Exército sudanês retomou a cidade — uma das três ao longo do Rio Nilo que compõem a região metropolitana da capital do Sudão, Cartum.

Os civis já começaram a regressar, mas morteiros, como o lançado no meio desta rua principal, ainda caem diariamente.

Para os meios de comunicação internacionais, tem sido difícil obter acesso para cobrir a guerra civil que eclodiu em abril do ano passado — mas a BBC conseguiu chegar à linha da frente. Encontramos o outrora movimentado centro de Omdurman transformado em um terreno baldio escassamente povoado.

O violento embate pelo poder entre os militares do país e seu antigo aliado, o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), matou pelo menos 14 mil pessoas em todo o país — possivelmente muito mais.

Há quase um ano, o Exército e as RSF lutam por Cartum e pelas cidades vizinhas.

As RSF assumiram o controle de áreas ao sul da capital, assim como de grandes partes de Darfur, que vive há anos em turbulência devido à violência entre suas várias comunidades africanas e árabes.

Mulheres que fugiram de Darfur para o Chade, país vizinho, contaram à BBC terem sido estupradas — às vezes, diversas vezes — por milicianos. Os homens nos acampamentos disseram que tinham escapado de execuções e raptos nas ruas.

Incorporada à linha de frente de combate junto ao Exército em Omdurman, a equipe da BBC teve seus movimentos cuidadosamente controlados — havia uma espécie de guarda-costas com a gente, e não tínhamos autorização para filmar atividades militares.

O Exército teme que informações sobre suas atividades sejam vazadas.

Quando nosso cinegrafista começa a filmar as consequências da explosão do morteiro, homens armados em trajes civis o cercam — um deles aponta uma arma para a cabeça dele.

Acabou que eles eram integrantes do serviço de inteligência militar, mas é um sinal de quão alta a tensão está.

Apesar da recente conquista do Exército em Omdurman, ainda ouvimos trocas de tiros na região de vez em quando.

Parte da linha de frente está agora ao longo do Nilo, que separa Cartum, no lado leste, de Omdurman, que fica a oeste do rio.

Os militares dizem para a gente que atiradores das RSF estão posicionados em blocos de apartamentos do outro lado do rio, em relação ao Exército sudanês, posicionado no prédio do Parlamento, seriamente danificado.

O antigo mercado de Omdurman, outrora movimentado com visitantes e moradores locais , está em ruínas — e suas lojas foram saqueadas. A maioria dos veículos nas estradas são militares.

Mais de três milhões de pessoas fugiram do estado de Cartum nos últimos 11 meses, mas alguns moradores de Omdurman se recusaram a sair. A maioria que encontramos são idosos.

A menos de um quilômetro da linha da frente, Mukhtar al-Badri Mohieddin caminha com um cajado perto de uma mesquita com a torre danificada.

A área aberta do lado oposto está coberta por sepulturas improvisadas — montes de terra marcados com pedaços de tijolos quebrados, tábuas e placas de concreto.

“Há 150 pessoas aqui. Conhecia muitas delas, Mohamed, Abdullah… Jalal”, diz ele, fazendo uma longa pausa diante de um nome, Youssef al-Habr, um conhecido professor de literatura árabe.

“Só eu sobrei”, acrescenta.

Os militares sudaneses têm sido criticados pelo uso intensivo de bombardeios aéreos, incluindo em áreas civis onde os combatentes das RSF se escondem — embora afirmem que tomam as “precauções necessárias” para proteger os civis.

As pessoas aqui responsabilizam ambos os lados pela destruição dentro e ao redor da capital.

Mas muitas acusam as RSF de saques e ataques durante o período em que controlavam a área.

“Eles retiraram pertences das casas, roubaram carros, aparelhos de TV, espancaram pessoas idosas, até mesmo mulheres”, conta o morador Muhammad Abdel Muttalib.

“As pessoas morreram de fome, tirei algumas de suas casas para que os corpos não apodrecessem lá dentro”, acrescenta.

Ele diz que é “de conhecimento geral” que mulheres foram estupradas em suas casas — e apalpadas durante verificações de segurança.

Afaf Muhammad Salem, com quase 60 anos, vivia com os irmãos em Cartum quando a guerra começou.

Ela diz que se mudou para Omdurman, do outro lado do rio, depois de terem sido atacados por combatentes das RSF, que, segundo ela, saquearam sua casa e atiraram na perna do seu irmão.

“Eles estavam espancando mulheres e idosos, e ameaçavam meninas inocentes”, relata.

Em uma referência velada à violência sexual, que é um tema considerado tabu no Sudão, ela acrescenta:

“Insultar a honra causa mais danos do que levar dinheiro”.

‘Uma arma de vingança’

As vítimas de estupro podem enfrentar uma vida inteira de estigma e marginalização por parte das suas próprias famílias e comunidades. Muitas gente em Omdurman não qui discutir o assunto.

Mas a mais de 1.000 quilômetros a oeste, nos extensos campos de refugiados ao longo da fronteira com o Chade, o volume de relatos de violência sexual que estão surgindo, está forçando um novo e sombrio nível de abertura.

Amina, cujo nome alteramos para proteger sua identidade, foi até uma clínica temporária administrada pela organização Médicos Sem Fronteiras, em busca de um aborto. Ela nos cumprimenta sem olhar para cima.

A jovem de 19 anos, que fugiu de Darfur, no Sudão, só descobriu que estava grávida um dia antes. Ela espera desesperadamente que sua família nunca descubra.

“Não sou casada e era virgem”, diz Amina, hesitante.

Em novembro, milicianos pegaram ela, com a tia e os primos, enquanto fugiam da sua cidade natal, Ardamata, para a cidade vizinha de Geneina.

“Os outros escaparam, mas eles ficaram comigo por um dia inteiro. Eram dois, e um deles me estuprou várias vezes antes de eu conseguir escapar”, diz ela.

O domínio crescente das RSF em Darfur, apoiado pelas milícias árabes aliadas, trouxe consigo um aumento de ataques de origem étnica contra a população negra africana, especialmente o grupo étnico Masalit.

A história de Amina é apenas um dos muitos relatos de ataques contra civis ocorridos por volta de 4 de novembro, quando as RSF e seus aliados tomaram uma base militar sudanesa em Ardamata.

De acordo com um relatório recente da ONU, ao qual a BBC teve acesso, acredita-se que mais de 10 mil pessoas tenham sido mortas na região desde abril.

A ONU documentou cerca de 120 vítimas de violência sexual relacionada com o conflito em todo o país, o que considera ser “uma vasta sub-representação da realidade”.

O relatório afirma que homens uniformizados das RSF e homens armados afiliados ao grupo foram denunciados como responsáveis por mais de 80% dos ataques. Separadamente, também houve alguns relatos de agressões sexuais por parte dos militares sudaneses.

Do lado de fora do mesmo acampamento, que fica na cidade de Adré, na fronteira, cerca de 30 mulheres e meninas se reúnem em uma cabana ao meio-dia.

Balões rosa e azuis estão pendurados no teto, junto a cartazes feitos à mão. “O estupro não é destino; é uma prática que pode ser interrompida”, lê-se.

As lágrimas escorrem livremente enquanto as mulheres falam das suas experiências de violência física e sexual.

Maryamu (nome fictício) contou que foi estuprada em novembro dentro de sua casa, em Geneina, por homens armados que usavam uma espécie de turbante na cabeça, típicos dos combatentes árabes na região.

Depois disso, ela teve dificuldade para andar, contou ela soluçando, enquanto descrevia o processo de fuga:

“As pessoas estavam correndo, mas a gente não podia, porque minha avó não consegue correr. Eu também estava sangrando.”

Zahra Khamis, uma assistente social que também é refugiada, dirige o grupo.

Tanto Amina quanto Maryamu são de comunidades negras africanas — que, segundo Khamis, estão sendo alvo de ataques em Darfur, especialmente o grupo étnico Masalit.

Durante a guerra em Darfur, há 20 anos, uma milícia árabe chamada Janjaweed — na qual as RSF têm suas raízes — foi mobilizada pelo antigo presidente Omar al-Bashir para esmagar uma rebelião de grupos étnicos não-árabes.

A ONU afirma que 300 mil pessoas foram mortas, e o estupro foi amplamente utilizado como forma de aterrorizar as comunidades negras africanas e forçá-las a fugir. Alguns líderes da Janjaweed e Bashir foram indiciados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) sob a acusação de genocídio e crimes contra a humanidade. Eles negaram as acusações — e ninguém foi condenado.

Khamis acredita que o estupro está sendo usado neste conflito “como arma de vingança”.

“Eles estão fazendo isso com as mulheres porque o estupro causa impacto na sociedade e na família”, acrescenta.

Em um raro vislumbre sobre as atitudes que levam à violência contra as mulheres, um membro das RSF que se descreve como um “comandante de campo” publicou um vídeo nas redes sociais em novembro.

“Se estuprarmos sua filha ou sua garota, é olho por olho. Este é o nosso país, e este é o nosso direito, e nós fazemos valer”, diz ele no vídeo, que agora foi excluído.

Em resposta às perguntas da BBC sobre os casos de estupro e outros ataques, as RSF dizem que a inteligência militar sudanesa estava “recrutando pessoas para usarem roupas das RSF e cometerem crimes contra civis, para que se possa dizer que as RSF estão cometendo crimes, abuso sexual e limpeza étnica”.

“Talvez um ou dois incidentes tenham sido cometidos por combatentes das RSF, e eles foram responsabilizados”, declarou Omran Abdullah Hassan, da assessoria do líder das RSF, à BBC.

No ano passado, as RSF disseram que iriam abrir um processo para investigar supostas violações de direitos humanos cometidas por suas forças, mas a ONU afirma que não foram fornecidos detalhes.

‘Se você é Masalit, eles te matam’

Em outro abrigo no mesmo acampamento, as mãos de Ahmat tremem enquanto ele assiste a um vídeo no celular, que foi verificado pela BBC, mostrando cinco homens desarmados enfileirados em uma rua de Ardamata, em novembro.

“Vou acabar com eles”, grita uma voz em árabe sudanês, antes de os homens serem alvejados por disparos de um rifle de assalto à queima-roupa.

“Este é o Amir, e este é o Abbas…”, diz Ahmat, com uma lágrima escorrendo pelo rosto.

Esta é a primeira vez que o homem de 30 anos, cujo nome mudamos, vê o vídeo do momento em que foi baleado. O mesmo foi filmado, aparentemente por um dos homens armados, no dia 5 de novembro — um dia depois de as RSF terem tomado a base militar — e publicado online.

Ahmat conta que seu primo Amir e seu amigo Abbas morreram na hora, mas ele e os outros dois sobreviveram.

Uma grande cicatriz nas costas marca o orifício de saída da bala que atravessou seu ombro. Ele diz que era professor antes da guerra — e que todos os cinco eram civis.

“Deitamos como se estivéssemos mortos”, recorda.

“Me lembro de ter rezado. Achava que era o fim.”

Ahmat conta que foi sequestrado perto de sua casa por membros das RSF e seus aliados. O vídeo mostra homens vestidos no estilo típico dessas forças.

Dois outros homens relaram de forma detalhada à BBC terem sido raptados e feridos por homens armados que acreditam estarem ligados às RSF durante o mesmo período em Ardamata.

Um deles, Yussouf Abdallah, de 55 anos, nos disse que conseguiu escapar depois de ser mantido por homens armados. Ele relatou que viu eles matarem uma mulher e o filho recém-nascido.

“Eles perguntaram se somos da comunidade Masalit e, se você for, eles matam você automaticamente”, acrescentou.

O Sudão entrou num novo período de instabilidade em 2019, quando protestos de rua e um golpe militar puseram fim ao governo de quase três décadas de Bashir.

Foi estabelecido então um governo civil-militar conjunto, que foi derrubado por outro golpe do Exército e das RSF em outubro de 2021.

Mas os dois aliados discordaram sobre a proposta de mudança para um regime civil — e sobre como as RSF deveriam ser integradas às Forças Armadas convencionais.

Em abril do ano passado, as RSF reposicionaram seus membros por todo o país. O Exército sudanês viu a movimentação como uma ameaça, e a violência começou, com nenhum dos lados querendo abdicar dos lucrativos dividendos do poder.

‘À beira da fome’

Quase um ano depois, as agências humanitárias alertam para uma situação humanitária que está ficando fora de controle — e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma que algumas comunidades estão à beira da fome.

Manasek, de três anos, é uma entre centenas de milhares de crianças que já sofrem de desnutrição grave. Ela não tem forças para andar, e mal consegue manter a cabeça erguida.

A mãe, Ikram, nina a filha em um hospital da Unicef em Porto Sudão, uma cidade no Mar Vermelho onde milhares de pessoas que fugiram dos combates em Cartum procuraram refúgio — e para onde a maioria das instituições governamentais e organizações humanitárias também se mudaram.

Ela não sabe se Manasek tem uma doença subjacente — e não pode pagar por exames médicos para descobrir.

“Perdemos as nossas vidas, perdemos os nossos empregos”, diz ela, explicando que o marido foi para o norte do Sudão em busca de trabalho agrícola, e como os preços dos alimentos dispararam, ficaram inacessíveis. Ela abaixa a cabeça, enxugando as lágrimas, incapaz de dizer mais nada.

Visitamos uma escola em Porto Sudão. As salas de aula onde os alunos outrora estudavam, estão agora lotadas de famílias desesperadas.

Um córrego de esgoto passa pela lateral do pátio, onde crianças brincam descalças perto de pilhas de lixo. Nos disseram que cinco pessoas morreram de cólera aqui.

Zubaida Ammar Muhammad, mãe de oito filhos, tosse ao nos contar que tem leucemia — e sente dores desde abril, quando seus remédios acabaram. Ela não foi capaz de conseguir mais quando a guerra eclodiu, e a família fugiu da região de Cartum.

O marido dela se voluntariou para lutar com os militares sudaneses, e ela não tem notícias dele há dois meses. A mãe dela, a avó e os três filhos que ficam com elas não podem fazer praticamente nada, a não ser ver a sua saúde se deteriorar.

Em Porto Sudão, também encontramos um grupo de cristãos coptas que fugiram da capital, para escapar das ameaças e ataques das RSF, e dos bombardeios aéreos militares.

“A força aérea de Cartum nos destruiu”, diz Sarah Elias, que faz parte do grupo.

Ela conta que um ataque aéreo matou seu marido, e outro atingiu a casa de um vizinho, matando nove pessoas, enquanto os militares tinham como alvo combatentes das RSF escondidos em áreas residenciais e igrejas.

Os EUA afirmam que ambos os lados cometeram crimes de guerra, e que as RSF e suas milícias aliadas também cometeram crimes contra a humanidade e limpeza étnica.

Ambos os lados negam as acusações.

Em onze meses de guerra, há poucos sinais de que haja qualquer vontade de ambos os lados de pôr fim ao conflito.

A maioria das pessoas que podiam, fugiram do país. E, à medida que o conflito, a fome e as doenças avançam, muita gente aqui se pergunta o que vai restar para alguém declarar vitória.

* Reportagem adicional de Peter Ball e Mohamed Ibrahim, verificação de Peter Mwai.

Pessoas apanhadas em meio à guerra civil do Sudão relataram à BBC casos de estupro, violência étnica e execuções nas ruas. Nossos jornalistas conseguiram chegar à linha da frente dos combates perto da capital, Cartum.

Um alto funcionário da Organização das Nações Unidas (ONU) descreveu o conflito como uma “guerra oculta” que mergulhou o país em um “dos piores pesadelos humanitários da história recente”, enquanto outros alertam que pode desencadear a maior crise de fome no mundo.

Há também receios de que em Darfur, no oeste do país, possa estar começando a acontecer uma repetição daquilo que os EUA chamaram de genocídio há 20 anos.

AVISO: este artigo contém relatos de violência física e sexual.

Do nada, uma enorme explosão sacode a estrada em Omdurman. As pessoas berram e correm em todas as direções, gritando: “Voltem, voltem, vai ter outra”. Uma fumaça espessa cobre tudo.

Momentos antes, a rua arrasada estava repleta de pedestres que compravam arroz, pão e legumes nos mercados, que só recentemente começaram a reabrir.

Em meados de fevereiro, o Exército sudanês retomou a cidade — uma das três ao longo do Rio Nilo que compõem a região metropolitana da capital do Sudão, Cartum.

Os civis já começaram a regressar, mas morteiros, como o lançado no meio desta rua principal, ainda caem diariamente.

Para os meios de comunicação internacionais, tem sido difícil obter acesso para cobrir a guerra civil que eclodiu em abril do ano passado — mas a BBC conseguiu chegar à linha da frente. Encontramos o outrora movimentado centro de Omdurman transformado em um terreno baldio escassamente povoado.

O violento embate pelo poder entre os militares do país e seu antigo aliado, o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), matou pelo menos 14 mil pessoas em todo o país — possivelmente muito mais.

Há quase um ano, o Exército e as RSF lutam por Cartum e pelas cidades vizinhas.

As RSF assumiram o controle de áreas ao sul da capital, assim como de grandes partes de Darfur, que vive há anos em turbulência devido à violência entre suas várias comunidades africanas e árabes.

Mulheres que fugiram de Darfur para o Chade, país vizinho, contaram à BBC terem sido estupradas — às vezes, diversas vezes — por milicianos. Os homens nos acampamentos disseram que tinham escapado de execuções e raptos nas ruas.

Incorporada à linha de frente de combate junto ao Exército em Omdurman, a equipe da BBC teve seus movimentos cuidadosamente controlados — havia uma espécie de guarda-costas com a gente, e não tínhamos autorização para filmar atividades militares.

O Exército teme que informações sobre suas atividades sejam vazadas.

Quando nosso cinegrafista começa a filmar as consequências da explosão do morteiro, homens armados em trajes civis o cercam — um deles aponta uma arma para a cabeça dele.

Acabou que eles eram integrantes do serviço de inteligência militar, mas é um sinal de quão alta a tensão está.

Apesar da recente conquista do Exército em Omdurman, ainda ouvimos trocas de tiros na região de vez em quando.

Parte da linha de frente está agora ao longo do Nilo, que separa Cartum, no lado leste, de Omdurman, que fica a oeste do rio.

Os militares dizem para a gente que atiradores das RSF estão posicionados em blocos de apartamentos do outro lado do rio, em relação ao Exército sudanês, posicionado no prédio do Parlamento, seriamente danificado.

O antigo mercado de Omdurman, outrora movimentado com visitantes e moradores locais , está em ruínas — e suas lojas foram saqueadas. A maioria dos veículos nas estradas são militares.

Mais de três milhões de pessoas fugiram do estado de Cartum nos últimos 11 meses, mas alguns moradores de Omdurman se recusaram a sair. A maioria que encontramos são idosos.

A menos de um quilômetro da linha da frente, Mukhtar al-Badri Mohieddin caminha com um cajado perto de uma mesquita com a torre danificada.

A área aberta do lado oposto está coberta por sepulturas improvisadas — montes de terra marcados com pedaços de tijolos quebrados, tábuas e placas de concreto.

“Há 150 pessoas aqui. Conhecia muitas delas, Mohamed, Abdullah… Jalal”, diz ele, fazendo uma longa pausa diante de um nome, Youssef al-Habr, um conhecido professor de literatura árabe.

“Só eu sobrei”, acrescenta.

Os militares sudaneses têm sido criticados pelo uso intensivo de bombardeios aéreos, incluindo em áreas civis onde os combatentes das RSF se escondem — embora afirmem que tomam as “precauções necessárias” para proteger os civis.

As pessoas aqui responsabilizam ambos os lados pela destruição dentro e ao redor da capital.

Mas muitas acusam as RSF de saques e ataques durante o período em que controlavam a área.

“Eles retiraram pertences das casas, roubaram carros, aparelhos de TV, espancaram pessoas idosas, até mesmo mulheres”, conta o morador Muhammad Abdel Muttalib.

“As pessoas morreram de fome, tirei algumas de suas casas para que os corpos não apodrecessem lá dentro”, acrescenta.

Ele diz que é “de conhecimento geral” que mulheres foram estupradas em suas casas — e apalpadas durante verificações de segurança.

Afaf Muhammad Salem, com quase 60 anos, vivia com os irmãos em Cartum quando a guerra começou.

Ela diz que se mudou para Omdurman, do outro lado do rio, depois de terem sido atacados por combatentes das RSF, que, segundo ela, saquearam sua casa e atiraram na perna do seu irmão.

“Eles estavam espancando mulheres e idosos, e ameaçavam meninas inocentes”, relata.

Em uma referência velada à violência sexual, que é um tema considerado tabu no Sudão, ela acrescenta:

“Insultar a honra causa mais danos do que levar dinheiro”.

‘Uma arma de vingança’

As vítimas de estupro podem enfrentar uma vida inteira de estigma e marginalização por parte das suas próprias famílias e comunidades. Muitas gente em Omdurman não qui discutir o assunto.

Mas a mais de 1.000 quilômetros a oeste, nos extensos campos de refugiados ao longo da fronteira com o Chade, o volume de relatos de violência sexual que estão surgindo, está forçando um novo e sombrio nível de abertura.

Amina, cujo nome alteramos para proteger sua identidade, foi até uma clínica temporária administrada pela organização Médicos Sem Fronteiras, em busca de um aborto. Ela nos cumprimenta sem olhar para cima.

A jovem de 19 anos, que fugiu de Darfur, no Sudão, só descobriu que estava grávida um dia antes. Ela espera desesperadamente que sua família nunca descubra.

“Não sou casada e era virgem”, diz Amina, hesitante.

Em novembro, milicianos pegaram ela, com a tia e os primos, enquanto fugiam da sua cidade natal, Ardamata, para a cidade vizinha de Geneina.

“Os outros escaparam, mas eles ficaram comigo por um dia inteiro. Eram dois, e um deles me estuprou várias vezes antes de eu conseguir escapar”, diz ela.

O domínio crescente das RSF em Darfur, apoiado pelas milícias árabes aliadas, trouxe consigo um aumento de ataques de origem étnica contra a população negra africana, especialmente o grupo étnico Masalit.

A história de Amina é apenas um dos muitos relatos de ataques contra civis ocorridos por volta de 4 de novembro, quando as RSF e seus aliados tomaram uma base militar sudanesa em Ardamata.

De acordo com um relatório recente da ONU, ao qual a BBC teve acesso, acredita-se que mais de 10 mil pessoas tenham sido mortas na região desde abril.

A ONU documentou cerca de 120 vítimas de violência sexual relacionada com o conflito em todo o país, o que considera ser “uma vasta sub-representação da realidade”.

O relatório afirma que homens uniformizados das RSF e homens armados afiliados ao grupo foram denunciados como responsáveis por mais de 80% dos ataques. Separadamente, também houve alguns relatos de agressões sexuais por parte dos militares sudaneses.

Do lado de fora do mesmo acampamento, que fica na cidade de Adré, na fronteira, cerca de 30 mulheres e meninas se reúnem em uma cabana ao meio-dia.

Balões rosa e azuis estão pendurados no teto, junto a cartazes feitos à mão. “O estupro não é destino; é uma prática que pode ser interrompida”, lê-se.

As lágrimas escorrem livremente enquanto as mulheres falam das suas experiências de violência física e sexual.

Maryamu (nome fictício) contou que foi estuprada em novembro dentro de sua casa, em Geneina, por homens armados que usavam uma espécie de turbante na cabeça, típicos dos combatentes árabes na região.

Depois disso, ela teve dificuldade para andar, contou ela soluçando, enquanto descrevia o processo de fuga:

“As pessoas estavam correndo, mas a gente não podia, porque minha avó não consegue correr. Eu também estava sangrando.”

Zahra Khamis, uma assistente social que também é refugiada, dirige o grupo.

Tanto Amina quanto Maryamu são de comunidades negras africanas — que, segundo Khamis, estão sendo alvo de ataques em Darfur, especialmente o grupo étnico Masalit.

Durante a guerra em Darfur, há 20 anos, uma milícia árabe chamada Janjaweed — na qual as RSF têm suas raízes — foi mobilizada pelo antigo presidente Omar al-Bashir para esmagar uma rebelião de grupos étnicos não-árabes.

A ONU afirma que 300 mil pessoas foram mortas, e o estupro foi amplamente utilizado como forma de aterrorizar as comunidades negras africanas e forçá-las a fugir. Alguns líderes da Janjaweed e Bashir foram indiciados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) sob a acusação de genocídio e crimes contra a humanidade. Eles negaram as acusações — e ninguém foi condenado.

Khamis acredita que o estupro está sendo usado neste conflito “como arma de vingança”.

“Eles estão fazendo isso com as mulheres porque o estupro causa impacto na sociedade e na família”, acrescenta.

Em um raro vislumbre sobre as atitudes que levam à violência contra as mulheres, um membro das RSF que se descreve como um “comandante de campo” publicou um vídeo nas redes sociais em novembro.

“Se estuprarmos sua filha ou sua garota, é olho por olho. Este é o nosso país, e este é o nosso direito, e nós fazemos valer”, diz ele no vídeo, que agora foi excluído.

Em resposta às perguntas da BBC sobre os casos de estupro e outros ataques, as RSF dizem que a inteligência militar sudanesa estava “recrutando pessoas para usarem roupas das RSF e cometerem crimes contra civis, para que se possa dizer que as RSF estão cometendo crimes, abuso sexual e limpeza étnica”.

“Talvez um ou dois incidentes tenham sido cometidos por combatentes das RSF, e eles foram responsabilizados”, declarou Omran Abdullah Hassan, da assessoria do líder das RSF, à BBC.

No ano passado, as RSF disseram que iriam abrir um processo para investigar supostas violações de direitos humanos cometidas por suas forças, mas a ONU afirma que não foram fornecidos detalhes.

‘Se você é Masalit, eles te matam’

Em outro abrigo no mesmo acampamento, as mãos de Ahmat tremem enquanto ele assiste a um vídeo no celular, que foi verificado pela BBC, mostrando cinco homens desarmados enfileirados em uma rua de Ardamata, em novembro.

“Vou acabar com eles”, grita uma voz em árabe sudanês, antes de os homens serem alvejados por disparos de um rifle de assalto à queima-roupa.

“Este é o Amir, e este é o Abbas…”, diz Ahmat, com uma lágrima escorrendo pelo rosto.

Esta é a primeira vez que o homem de 30 anos, cujo nome mudamos, vê o vídeo do momento em que foi baleado. O mesmo foi filmado, aparentemente por um dos homens armados, no dia 5 de novembro — um dia depois de as RSF terem tomado a base militar — e publicado online.

Ahmat conta que seu primo Amir e seu amigo Abbas morreram na hora, mas ele e os outros dois sobreviveram.

Uma grande cicatriz nas costas marca o orifício de saída da bala que atravessou seu ombro. Ele diz que era professor antes da guerra — e que todos os cinco eram civis.

“Deitamos como se estivéssemos mortos”, recorda.

“Me lembro de ter rezado. Achava que era o fim.”

Ahmat conta que foi sequestrado perto de sua casa por membros das RSF e seus aliados. O vídeo mostra homens vestidos no estilo típico dessas forças.

Dois outros homens relaram de forma detalhada à BBC terem sido raptados e feridos por homens armados que acreditam estarem ligados às RSF durante o mesmo período em Ardamata.

Um deles, Yussouf Abdallah, de 55 anos, nos disse que conseguiu escapar depois de ser mantido por homens armados. Ele relatou que viu eles matarem uma mulher e o filho recém-nascido.

“Eles perguntaram se somos da comunidade Masalit e, se você for, eles matam você automaticamente”, acrescentou.

O Sudão entrou num novo período de instabilidade em 2019, quando protestos de rua e um golpe militar puseram fim ao governo de quase três décadas de Bashir.

Foi estabelecido então um governo civil-militar conjunto, que foi derrubado por outro golpe do Exército e das RSF em outubro de 2021.

Mas os dois aliados discordaram sobre a proposta de mudança para um regime civil — e sobre como as RSF deveriam ser integradas às Forças Armadas convencionais.

Em abril do ano passado, as RSF reposicionaram seus membros por todo o país. O Exército sudanês viu a movimentação como uma ameaça, e a violência começou, com nenhum dos lados querendo abdicar dos lucrativos dividendos do poder.

‘À beira da fome’

Quase um ano depois, as agências humanitárias alertam para uma situação humanitária que está ficando fora de controle — e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirma que algumas comunidades estão à beira da fome.

Manasek, de três anos, é uma entre centenas de milhares de crianças que já sofrem de desnutrição grave. Ela não tem forças para andar, e mal consegue manter a cabeça erguida.

A mãe, Ikram, nina a filha em um hospital da Unicef em Porto Sudão, uma cidade no Mar Vermelho onde milhares de pessoas que fugiram dos combates em Cartum procuraram refúgio — e para onde a maioria das instituições governamentais e organizações humanitárias também se mudaram.

Ela não sabe se Manasek tem uma doença subjacente — e não pode pagar por exames médicos para descobrir.

“Perdemos as nossas vidas, perdemos os nossos empregos”, diz ela, explicando que o marido foi para o norte do Sudão em busca de trabalho agrícola, e como os preços dos alimentos dispararam, ficaram inacessíveis. Ela abaixa a cabeça, enxugando as lágrimas, incapaz de dizer mais nada.

Visitamos uma escola em Porto Sudão. As salas de aula onde os alunos outrora estudavam, estão agora lotadas de famílias desesperadas.

Um córrego de esgoto passa pela lateral do pátio, onde crianças brincam descalças perto de pilhas de lixo. Nos disseram que cinco pessoas morreram de cólera aqui.

Zubaida Ammar Muhammad, mãe de oito filhos, tosse ao nos contar que tem leucemia — e sente dores desde abril, quando seus remédios acabaram. Ela não foi capaz de conseguir mais quando a guerra eclodiu, e a família fugiu da região de Cartum.

O marido dela se voluntariou para lutar com os militares sudaneses, e ela não tem notícias dele há dois meses. A mãe dela, a avó e os três filhos que ficam com elas não podem fazer praticamente nada, a não ser ver a sua saúde se deteriorar.

Em Porto Sudão, também encontramos um grupo de cristãos coptas que fugiram da capital, para escapar das ameaças e ataques das RSF, e dos bombardeios aéreos militares.

“A força aérea de Cartum nos destruiu”, diz Sarah Elias, que faz parte do grupo.

Ela conta que um ataque aéreo matou seu marido, e outro atingiu a casa de um vizinho, matando nove pessoas, enquanto os militares tinham como alvo combatentes das RSF escondidos em áreas residenciais e igrejas.

Os EUA afirmam que ambos os lados cometeram crimes de guerra, e que as RSF e suas milícias aliadas também cometeram crimes contra a humanidade e limpeza étnica.

Ambos os lados negam as acusações.

Em onze meses de guerra, há poucos sinais de que haja qualquer vontade de ambos os lados de pôr fim ao conflito.

A maioria das pessoas que podiam, fugiram do país. E, à medida que o conflito, a fome e as doenças avançam, muita gente aqui se pergunta o que vai restar para alguém declarar vitória.

* Reportagem adicional de Peter Ball e Mohamed Ibrahim, verificação de Peter Mwai.

Invicto há oito jogos, o Botafogo, enfim, atravessa um bom momento. Além de reconectar-se com a torcida, o time ganhou de presente da Conmebol, na última segunda-feira (18), um grupo sem nenhum bicho-papão na Copa Libertadores. Afinal, Júnior Barranquilla (COL), Universitário (PER) e LDU (EQU) estão longe de tirar o sono, apesar das longas distâncias. O sorteio teve impacto positivo e resultou em um perigoso otimismo, palavra estranha ao universo preto e branco. Acontece que o Glorioso, com a chave da morte ou não, está muito longe das primeiras prateleiras de favoritos da principal competição da América do Sul.

O plantel ainda sente as sequelas das falhas de planejamento de 2024. Centralizador nas negociações, John Textor, acionista majoritário da SAF do clube, montou um elenco desequilibrado, com muitas opções em alguns setores e escassez em outros. Mesmo em fase irregular, o centroavante Tiquinho, por exemplo, está confortável, sem uma sombra à altura. O reserva imediato do meia Eduardo, Romero, chegou somente agora. Pela direita, os laterais mudaram, mas não inspiram nenhuma confiança. Na zaga, Barboza não encontrou o parceiro ideal, já que Halter falhou nos últimos dois jogos, Pablo segue no departamento médico, e Bastos tem graves problemas na bola aérea.

Há outras interrogações importantes. O goleiro John está se recuperando de lesão e deve demorar ainda alguns dias a voltar. Será que Gatito vai fechar o gol, como fez contra o Red Bull Bragantino e o Sampaio Corrêa? E se o goleiro paraguaio se lesionar (bate na madeira três vezes)? Sem contar que a equipe B do Botafogo de 2024 é inferior ao time reserva de 2023. O plantel atual conta com muitos jovens que não estão prontos: Jefferson, Kawan, Kauê, Newton, Raí, Urso, Yarlen… Em contrapartida, o Botafogo tem volantes e alas em profusão.

O Botafogo ultrapassou um mês sem treinador, período inadmissível por um clube gerido por uma empresa internacional que defende a profissionalização no futebol. Este texto não pretende desqualificar o trabalho de Fábio Matias. Pelo contrário, o interino, ainda sem perder, tirou leite de pedra para obter resultados importantes, sem encantar ninguém, diga-se de passagem. Aliás, o próprio Matias sabe que sua efetivação não é o caminho para o sucesso. E Textor, exigente, não gostou nada do que viu nos últimos embates.

No mercado, o clube vem recebendo “não” atrás de “não”. Nesta quarta-feira (20), foi a vez de o português Carlos Carvalhal esfriar. O profissional que chegar terá, assim, pouco tempo para se adaptar ao Brasil, conhecer o elenco, começar a implantar sua ideia de jogo e resolver os detalhes burocráticos para trabalhar no país. Tudo com a fase da Copa Libertadores batendo à porta do Mais Tradicional. O Botafogo vai, então, desperdiçando um período relevante de Data-Fifa para ajustes importantes na equipe. Ah, o planejamento… Como pode fazer a diferença no fim!

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jogada10

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Piloto francês de Fórmula 1, Pierre Gasly tornou-se coproprietário de um clube de seu país. Trata-se do FC Versailles, uma equipe que disputa o que seria a terceira divisão da França, o Championnat National. A propósito, o profissional do automobilismo entrará como um dos três acionistas ao lado de Alexandre Mulliez e Fabien Lazare, sócios em outros negócios.

Após a conclusão da sua entrada na sociedade, Gasly apontou que se envolver com o futebol sempre foi uma meta pessoal.

“Estou muito feliz por me envolver com o FC Versailles porque sempre quis me envolver com o futebol profissional. Com Alexandre e Fabien, compartilhamos valores, ambição e um espírito competitivo aguçado que nos permitirá desenvolver positivamente o clube. Este é o início de uma história muito bonita. Força Versailles!” indicou o piloto de Fórmula 1.

Alexandre Mulliez é neto do fundador do grupo varejista Auchan, famoso mundialmente. Afinal, a empresa conta com lojas em 16 países do mundo. No caso, França, Espanha, Itália, Polónia, Portugal, Luxemburgo, Hungria, Polónia, Senegal, Índia, China, Taiwan, Rússia, Roménia, Angola e Ucrânia.

Atualmente, o FC Versailles é um clube semiprofissional com sede na região de Versalles, próxima a Paris. Mulliez visa profissionalizar o Versailles. Assim, ele acredita que a ligação de Gasly com o projeto pode contribuir nessa missão.

“Pierre traz um forte complemento para Fabien e para mim. “Estou convencido de que nossa colaboração será frutífera. Como fã de longa data da F1, tenho a sorte de ter Gasly ao nosso lado para atingir todos os nossos objetivos”, esclareceu o empresário.

O FC Versailles é um clube 82 anos de fundação, com apenas uma conquista na sua história. No caso, o torneio regional de Paris, que se chama “Paris Ile-de-France Division Honneur”, o qual venceu na temporada 84/85. Aliás, seu estádio, o Stade de Montbauron, tem capacidade um pouco acima de 7,5 mil pessoas. Por sinal, o clube ainda não conseguiu disputar a primeira divisão nacional.

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